O percurso poético de Fernanda Chemale

O percurso poético de Fernanda Chemale em Face é uma brincadeira com transposições sígnicas. A fotógrafa segue a trilha de experimentos já presentes tanto em Brassaï (1899-1984), que ao longo da década de 1930 fotografou graffitis, quanto no movimento surrealista e a apologia da imagem banal e espontânea. A exemplo do artista contemporâneo Vik Muniz (1961), que revigora a silhueta de Nietzsche a partir de um arranjo de presunto parma fotografado, Fernanda quer alcançar o poder de ressignificação, despertando o desejo inconsciente de ver e de encontrar coisas aparentemente despercebidas na experiência cotidiana. Do fortuito nascem novas imagens: ETs, esfinges, vanitas, sombras, silhuetas impertinentes e rostos desfigurados que remetem ao pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992). Como num ritual de homenagem, suas fotos parecem máscaras – a um mesmo tempo dóceis e tenebrosas – de divindades primitivas que abandonaram seu panteão específico para repousarem na calmaria da imagem fotográfica congelada. A palavra imagem, aliás, tem sua origem etimológica no latim imago, a máscara póstuma de cera dos aristocratas romanos. A própria gênese das imagens no Ocidente nasceu da necessidade cultural da magia – as palavras image e magie têm, no francês, correspondências gráficas. Há, então, poderes ocultos na contemplação e posse de imagens, o que nos leva à noção de que o invisível conduz o visível. Esta é a proposta e o desafio de Face.

Alexandre Santos, historiador da arte e pesquisador de história da fotografia

Maio de 2003

Fernanda Chemale’s poetic path in Face is a play with sign transpositions. This photographer follows the trail of experiments present both in Brassaï (1899-1984), who photographed graffiti art throughout the 1930s, and in the Surrealist movement with its apology for commonplace candid images. Just like contemporary artist Vik Muniz (1961), who invigorated Nietzsche’s profile from a photographed display of prosciutto, Fernanda aims at attaining power of re-signing, awakening an unconscious will to see and to find things that are apparently unnoticed in our daily life experiences. From chance, new images are born: ETs, sphinxes, vanitas, shadows, impertinent silhouettes, and deformed faces that allude to Irish painter Francis Bacon (1909-1992). As in a rite of celebration, her photographs look like masks—docile and creeping at the same time—of primitive divine entities who have abandoned their specific pantheons in order to rest in the stillness of frozen photographic images. Actually, the word image etymologically originates from Latin imago, the posthumous wax mask of Roman aristocrats. The Western genesis of images itself was born from a cultural need of magic—the words image and magie have, in French, graphic correspondence. There are, therefore, hidden powers in contemplating and owning images, and this takes us to the notion that what is invisible leads to what is visible. This is the proposal and the challenge of Face.

Alexandre Santos, Art Historian and Photography History Researcher, May 2003