ElefanteCidadeSerpente

A Cidade e Suas Fendas Expressivas

Olhar a cidade, registrar seu cotidiano, sentir o pulsar irritante, perceber o movimento
incessante. Ver a cidade nem sempre significa veracidade. É exatamente essa a principal idéia que perpassa no livro ElefanteCidadeSerpente, de Fernanda Chemale, que encarou o desafio de criar uma coleção de fotografias sobre as cidades hoje, sem o compromisso de documentar os edifícios, as avenidas, as pessoas, enfim, a história sociocultural do espaço urbano. Suas imagens iconizam a mais pura sensação momentânea e efêmera de um passeante.

Fernanda assume olhar a cidade fotografando-a com uma acelerada visão, tipo zapping, permitindo que nós, leitores, sejamos parcialmente responsáveis pela montagem de incríveis caleidoscópios. Sua percepção aguçada, associada a um fantástico sentido de unidade fluida e plástica, possibilita que o heterogêneo e a descontinuidade, presentes nas metrópoles contemporâneas, apareçam como uma síntese que materializa seu gesto livre e expressivo.

Os fragmentos imagéticos estão dispostos em estranhos enquadramentos que formam geometrias casuais e desenhos ilógicos. As imagens evidenciam as distorções, as superposições, os movimentos, as cores, as luzes, tudo como num jogo indeciso, que embora apreendido pela câmera, nem sempre permite desvendar os mistérios do mundo visível. Fernanda busca, no seu enfrentamento com as cidades, relacionar formas, abrir fendas expressivas no espaço tumultuado pela ação cotidiana, destacar as luzes e as sombras que envolvem a cena, enquadrar paisagens em espelhos retrovisores, materializar as tensões das coisas aparentes que compõem o espaço.

A edição de ElefanteCidadeSerpente também assume a idéia de serializar os
fragmentos de modo a potencializar a unidade do livro. Fernanda assume suas imagens produzidas em trânsito (parte delas enquadradas a partir do automóvel em movimento) e, portanto, seu gesto fotográfico é performático, pois nos deparamos com fotografias com forte subjetividade, quase irreconhecíveis de imediato, nos obrigando a refletir sobre aquilo que vemos para tentar imaginar essa vontade criativa de extrapolar o mundo visível.

A cidade representa um enorme conglomerado de edifícios, sólidos e imutáveis em
sua maioria; enquanto que ao fotógrafo passeante cabe a tarefa de desvendar os espaços da urbe como um líquido viscoso que se nutre da força dos estranhos caminhos traçados quase aleatoriamente pelos homens. Uma espécie de entendimento da cidade como o espaço que deve ser percorrido e percebido a partir da curiosidade essencial do artista. No caso deste ensaio, podemos ver uma fotografia que foi captada no próprio gesto de sua construção, no gesto que deixa indícios na materialidade da imagem.

O pintor inglês Francis Bacon afirmava: “Figurar, em lugar de realizar, uma materialização por meio de torções e deformações nas imagens”. Fernanda Chemale criou manchas de cor, luz e movimento, com estranhos ruídos, superposições e distorções, que aproximam o seu olhar da visão ativa e inovadora da fotografia brasileira contemporânea.

Rubens Fernandes Junior

pesquisador e crítico de fotografia, março 2008

Nas coisas banais do meu cotidiano encontro as imagens de ElefanteCidadeSerpente. Procuro os vestígios do homem urbano e me aproprio de seus objetos e espaços. As situações se apresentam em ações óbvias e casuais.  Explorando vidas humanas, vejo o quanto o anonimato das grandes cidades é particular e como em meu subconsciente tudo se rompe. O que é interior passa a ser exterior, suprimindo a fronteira entre realidade e imaginação.  Construindo essas imagens evoquei outros mundos, sugestionando dimensões de realidade, muitas vezes enigmáticas. Neste ambiente, o espectador é desafiado a decifrá-las.
Fotografia oculta, paradoxal e subversiva.
O abstrato está sobre o figurativo.
O contexto, saturado.
O mundo real é transformado em virtual.             

Fernanda Chemale

FotoSeptiembre USA-SAFOTO

Fotograma 2009